quarta-feira, 21 de julho de 2010

África mais acessível

 

África mais acessível

IEB começa a disponibilizar na internet documentos e livros raros que tratam de temas como história, geografia e escravidão no continente do século 16 ao 19 (reprodução)

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – O Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP) começou a disponibilizar na internet livros e documentos raros sobre a África produzidos do século 16 ao 19.

O projeto Brasil África, que tem apoio da FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular, já construiu a base de dados sobre os documentos para facilitar a pesquisa detalhada das referências e começa a digitalizar imagens.

De acordo com a Márcia Moisés Ribeiro, pesquisadora do IEB e coordenadora do projeto, o objetivo é permitir o acesso a livros e documentos raros sobre o continente africano.

O IEB possui uma das mais importantes bibliotecas de livros raros de São Paulo. A ideia foi construir um banco de dados para reunir informações sobre esses documentos e obras que, em seguida, serão digitalizados e disponibilizados”, disse à Agência FAPESP.

Márcia atualmente desenvolve o projeto de pesquisa “Medicina e escravidão nas dimensões do universo colonial: a América portuguesa e o Caribe francês no século 18”, que será concluído no fim do ano.

O site já conta com informações detalhadas sobre cada documento selecionado. “Há dados sobre autor, obra, data e local da publicação. A base de dados traz também um breve resumo de cada documento indicado”, explicou.

É possível encontrar documentos que envolvem as mais diversas áreas sobre o continente, como história, geografia, medicina, religião e temas relacionados ao tráfico de escravos.

São livros raros de viagem, de medicina, sobre a fauna e flora, além da história e das religiões africanas. Sobre a escravidão, há assuntos relacionados ao comércio e tráfico negreiro, como condições da travessia desses escravos, entre outros temas”, disse Márcia.

O processo de digitalização dos documentos da base de dados foi iniciado em maio e a previsão é que até o fim deste ano todas as obras estejam disponíveis no site.

A pesquisadora estima a existência de cerca de 600 documentos e livros raros sobre a África nas várias coleções do IEB. “Até agora trabalhamos apenas com os documentos da biblioteca do IEB, que tem cerca de 300 documentos que já estão no banco de dados, mas ainda não disponíveis na versão digital, que será disponibilizada em julho. A próxima etapa será a documentação do arquivo, no qual se encontram os manuscritos”, destaca.

Nos manuscritos há diversas correspondências entre governantes da África e governadores das capitanias brasileiras. “É uma documentação rica, sobretudo porque muitos são documentos únicos”, disse Márcia.

Divulgar e preservar

De acordo com a historiadora, a ideia surgiu a partir de sua própria pesquisa. “Trabalho com história da medicina e escravidão no período colonial e, ao ter contato com o material no IEB, percebi que o instituto guardava documentos e livros importantes para historiadores”, contou.

Grande parte dos temas envolvendo o continente africano, segundo ela, era estudada principalmente pela relação com a escravidão. “Mas, nas últimas décadas, outros temas relacionados à África têm despertado interesse de pesquisadores. A história do continente, por exemplo, só passou a ser obrigatória como disciplina há cerca de dez anos, nos programas das universidades. Mas ainda é restrita, quando comparada com a história da América, por exemplo”, destacou.

Márcia salienta que, ao ampliar o acesso a textos e imagens raras – com possibilidades de impressão –, será possível estimular os estudos de forma geral sobre o continente.

Além de democratizar o acesso pela internet, a digitalização é uma forma de preservar as obras raras, evitando o manuseio excessivo e desgaste”, disse.

Mais informações: www.ieb.usp.br/online/telaSubCateg.asp?id=23

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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Romances à venda

 Agência FAPESP

Romances à venda

Estudo destaca como os anúncios publicitários no século 19 impulsionaram e popularizaram a leitura de romances no Brasil (reprodução)

Por Fábio Reynol

No século 19 debutou no Brasil um novo gênero literário, o romance, responsável pela popularização da literatura no país. Discriminado como “gênero menor” frente às epopeias e outros gêneros poéticos da época, o romance se difundiu graças ao interesse dos leitores, mas também ao esforço de livreiros ávidos em vender seus produtos.

Para levantar essa história, Regiane Mançano analisou no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) três jornais do século 19, o Correio Braziliense, publicado em Londres, e os cariocas Gazeta do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio.

Como não havia seções de crítica literária nos periódicos na época, Regiane utilizou os anúncios de romances pagos por livreiros como medidor da penetração dessas obras junto aos leitores. O trabalho resultou na dissertação Livros à venda: presença de romances em anúncios de jornais, que foi apresentada e aprovada em fevereiro e para a qual contou com apoio da FAPESP por meio de uma Bolsa de Mestrado.

O estudo surgiu do Projeto Temático Caminhos do Romance no Brasil – séculos 18 e 19, apoiado pela FAPESP e coordenado pela professora Márcia Azevedo de Abreu, do Departamento de Teoria Literária do IEL.

O Temático procurou investigar a consolidação do gênero romanesco no Brasil e teve caráter multidisciplinar, contando com a participação de professores e estudantes da área de letras e de história da Unicamp, da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal de Minas Gerais.

O projeto de Regiane levantou informações importantes e alguns detalhes inusitados dos anúncios publicitários. “A autoria não era valorizada e muitos anúncios nem traziam o nome do escritor. No lugar, estampavam comentários morais e outras características sobre o livro”, disse à Agência FAPESP.

Na época, era comum o anúncio ressaltar que a história do livro moralizava os leitores pelos exemplos dos personagens. “Os textos diziam que a história apresentava personagens virtuosas e punia os vícios, por exemplo, passando uma ideia de aprendizado pela leitura”, disse.

Esse caráter moralizador e educativo era reforçado pelo perfil do público alvo explicitado nos anúncios: mulheres e jovens. Uma frase frequente nas peças publicitárias era “adequado para moças”, segundo explicou a professora Márcia Abreu.

A preocupação era mostrar que o livro não seria um perigo para as mulheres no sentido de difundir comportamentos inadequados para a época”, disse.

Um desses comportamentos tidos como impróprios era, por exemplo, casar por amor. “O cônjuge era uma escolha do pai e não respeitá-la significava colocar em risco a autoridade paterna”, indicou Márcia.

Por conta disso, os livros eram considerados bons se apresentassem conteúdo moralizador, como histórias de punição para atos considerados inadequados e de recompensa para os que agissem de acordo com os padrões vigentes. O caráter educacional era destacado da mesma forma. “A ideia era que se podia aprender pela leitura e ao mesmo tempo se entreter”, disse Regiane.

Como recurso de reforço dessas mensagens, as histórias eram anunciadas como se tivessem realmente ocorrido. “Alguns anúncios afirmavam que o livro era uma transcrição de manuscritos encontrados com um moribundo, ou de cartas encontradas pelo autor”, disse.

Ao preço de uma calça

Outro ponto destacado pelos anunciantes no século 19 eram as características físicas dos livros, ou seja, o tipo de encadernação, quantidade de figuras ilustrativas, qualidade da capa e número de volumes – romances mais longos chegavam a ter 12 volumes.

Esses aspectos ajudavam a valorizar a obra e a justificar o seu preço. “Quanto mais imagens tivesse um livro, por exemplo, mais caro ele seria”, contou Regiane. Para comparar com parâmetros atuais de valores, ela apurou que o preço médio de um romance, na época, equivalia ao valor de uma calça de brim.

Também investigou a origem dos primeiros romances comercializados no Brasil. Os textos eram majoritariamente franceses, seguidos por portugueses, ingleses, espanhóis e alemães. As obras em língua estrangeira eram traduzidas em Portugal e chegavam ao Brasil pelo Rio de Janeiro.

Entre os títulos mais recorrentes anunciados nos jornais analisados três se destacaram: Aventuras de Telêmaco, Paulo e Virginia e Aventuras de Gil Blas. “O impressionante é que esses livros foram escritos nos séculos 17 e 18, venderam durante todo o século 18 e estavam presentes nos anúncios do século 19, mas hoje nem sequer ouvimos falar deles”, disse Regiane.

Outra peculiaridade eram os locais de vendas de livros. Na primeira metade do século 19, eles não estavam restritos às livrarias e poderiam ser encontrados em lojas de armarinhos, em vendas particulares nas residências ou mesmo em leilões. A Impressão Régia e a Gazeta do Rio de Janeiro tinham lojas próprias para vender periódicos e livros. Havia ainda o comércio de obras usadas, dirigido pelos alfarrabistas.

Consolidação do romance

Segundo Regiane, parte do sucesso de público conquistado pelo gênero se deveu à atuação publicitária dos vendedores, sobretudo dos livreiros. Ela detectou, entre os anos de 1808 e 1844, um considerável aumento no espaço publicitário ocupado pelos livros.

Ao buscar ampliar sua margem de lucro, os livreiros aturam como agentes difusores do gênero romanesco na cidade do Rio de Janeiro no período, contribuindo para a consolidação do gosto pelos romances”, disse.

Márcia conta que, em seus primórdios, o gênero tinha uma faceta muito mais comercial do que aquela que conhecemos hoje. “O romance não era considerado uma obra elevada do espírito. Ele estava muito mais associado a um produto comercial, assim como nos dias de hoje é visto o cinema”, apontou.

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sábado, 3 de julho de 2010

200 anos de cinismo

Agência FAPESP

 

200 anos de cinismo

Em Eclipse da moral, Sílvio Rosa Filho, professor da Unifesp, interpreta a visão de Hegel sobre o declínio da moralidade moderna e o nascimento do cinismo contemporâneo a partir de inversões da moral kantiana

 

Por Fábio de Castro

O discurso moral da modernidade entrou em declínio após a Revolução Francesa, ao passo que um tipo específico de cinismo começava a emergir no cenário literário e filosófico do mundo contemporâneo. Durante esse momento crítico de passagem da idade Moderna para a Contemporânea, o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), no auge de sua maturidade intelectual, investigou o problema da moralidade na nova era, revelando como o nascimento do cínico teve lugar no ninho de contradições formado pelos postulados da moral kantiana.

Esse é o tema central do livro Eclipse da moral – Kant, Hegel e o nascimento do cinismo contemporâneo, de Sílvio Rosa Filho, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A obra, lançada em maio com apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações, é fruto de mais de 15 anos de trabalho.

De acordo com Sílvio Rosa, o livro procura organizar o repertório que torna possível reformular o debate sobre o problema da moralidade naquele período de transição. Entre 1807 e 1817, Hegel estudou intensamente o processo de declínio do discurso moral da modernidade e estabeleceu conexões entre a abstração moral kantiana e outras abstrações conjunturais, oferecendo um depoimento histórico e conceitual de sua época.

A ideia do livro surgiu durante a graduação de Sílvio Rosa na Universidade de São Paulo (USP), a partir de uma proposta do professor Paulo Arantes, que ministrava um curso sobre Hegel na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH). Mais tarde, em seu doutorado, orientado por Arantes, Sílvio Rosa consolidou a pesquisa procedendo, segundo os termos de Arantes, à "remontagem de um dos passos mais vertiginosos da dialética hegeliana". Essa interpretação do pensamento de Hegel permite entrever uma galeria conceitual de microfiguras cínicas que surgiram a partir de uma inversão da moral kantiana.

O livro é organizado em duas partes: “Transição ao novo tempo” e “Reviravoltas do discurso moral”. “A primeira parte consiste em uma abordagem histórica, que estuda a maneira pela qual Hegel consegue abarcar a transição do moderno ao contemporâneo, concluindo que o discurso moral tende à inocuidade. A partir daí, na segunda parte, tento mostrar como Hegel trata cada um dos três pontos de incidência de sua crítica à moral kantiana: ela é formal, inefetiva e contraditória”, disse Sílvio Rosa à Agência FAPESP.

Na primeira parte, Sílvio Rosa trata a transição aos novos tempos em quatro níveis. O primeiro é o nível das representações que flutuam na superfície da época, oscilam e se alternam: a representação nostálgica, a exaltada, a moderada e a romântica.

Essa camada superficial, feita de ondulações, é seguida de três outras. A segunda diz respeito à maneira como Hegel concebe a abstração da economia. A terceira corresponde à abstração política e a quarta se refere à abstração cultural”, explicou.

Em relação à segunda camada, Sílvio Rosa acompanhou o testemunho oferecido por Hegel – desde sua juventude até os manuscritos de Heidelberg, em 1817 – sobre a mudança de patamar da abstração da economia.

Ao ter contato com a economia política britânica, ele se deu conta de que havia um tipo de abstração muito peculiar à economia moderna, entendida como divisão do trabalho. Entendeu que se tratava de uma mudança de patamar, cujo avanço iria redundar na Revolução Industrial. Esse é um abalo sísmico que o pensamento hegeliano documenta e eleva ao plano conceitual”, disse.

Outro “abalo sísmico” teria sido responsável pela chegada da abstração ao poder político: a Revolução Francesa. “Um dos capítulos debate esse tema: Hegel, leitor de Kant, testemunha a Revolução Francesa e coloca em debate a chegada da liberdade absoluta no exercício do poder com o terrorismo de Estado”, disse.

A abstração no plano da cultura é discutida em torno da primeira literatura romântica alemã, que iria se politizar aceleradamente, formando uma frente de resistência à Revolução Francesa. Um grupo de 70 intelectuais que incluía poetas como August Schlegel (1767-1845) e Novalis (1772-1801) se converteria em 1815 ao catolicismo monarquista, apostando na restauração e na contrarrevolução. Enquanto isso, Hegel mostra uma espécie de fidelidade estrutural à revolução, apostando na reforma alemã, tendo como horizonte os valores oriundos da Revolução.

Moralidade em xeque

Com isso se completa o quadro de transição para a contemporaneidade. A moldura para esse quadro seria a ideia de Kant, exposta na Crítica da razão prática, segundo a qual seria possível calcular a conduta do homem no futuro como quem calcula um eclipse, afirmando, entretanto, que o homem é livre. Dessa forma, o debate que está em jogo trata de calcular as determinações políticas, econômicas e culturais como se fosse um fenômeno físico e, apesar disso, tenta afirmar a liberdade humana, colocando assim sobre o homem a responsabilidade histórica e moral por seus atos”, explicou Sílvio Rosa.

A partir desse quadro, com os tempos modernos assim constituídos, com tal conjunto de abstrações e contradições, a crítica de Hegel identifica a inocuidade do discurso moral. Essa crítica, segundo o professor da Unifesp, tem três pontos de incidência. Em primeiro lugar o discurso moral é formal e vazio, enquanto os tempos modernos avançam como um colosso avassalador que toma conta do planeta.

O segundo ponto de incidência é que, se o colosso avança dessa maneira, a política tende a se tornar tão inefetiva como Dom Quixote diante dos moinhos de vento. Em terceiro lugar, essa moralidade formal kantiana é um ninho de contradições. A segunda parte do livro é uma tentativa de mostrar como Hegel aborda cada um desses pontos de incidência: o formalismo, a inefetividade e a contradição”, explicou.

No ponto de incidência da contradição aparecem as nove microfiguras concebidas por Hegel na interpretação de Sílvio Rosa como inversões da moral kantiana.

Hegel não diz que Kant inverte a moral, mas que há uma espécie de transformação da matéria-prima do discurso moral. A maneira pela qual a moral é lida e estimada é que dissolve a própria moral em reviravoltas que correspondem as essas microfiguras. É desse ‘álbum de microfiguras’ da moral invertida que vai nascer o cinismo contemporâneo”, disse.

Coleção de microfiguras

Três microfiguras se situam na região do primeiro postulado kantiano, que diz respeito ao arbítrio: se a lei moral for escolhida por falta de opção, deixa de ser moral. Essas microfiguras são o “ativismo supérfluo”, o “protelacionismo” e o “ascetismo provisório”.

Quando a moral enfrenta a realidade efetiva do mundo, o ativismo se mostra supérfluo. Quando não se consegue realizar com o ativismo o que se poderia realizar moralmente, a estratégia é adiar a ação, daí o ‘protelacionismo’. A última microfigura soluciona seu compromisso com a moral se aproximando de uma das duas anteriores: ou assume que o fim-último não pode ser levado a termo, ou sustenta que a consciência moral deve ser ‘para si’”, disse Sílvio Rosa.

O segundo bloco de microfiguras corresponde ao segundo postulado da moral kantiana, relacionado à imortalidade da alma: o “perfeccionismo interior”, o “amoralismo exterior” e o “attentisme permanente”.

O perfeccionista interior é aquele que foi derrotado na tentativa de realização da liberdade e passa a cultivar um aperfeiçoamento moral restrito a sua própria alma. Quem veste a máscara do amoralista exterior diz que não há muito o que fazer. A última máscara ou microfigura tem o nome derivado do verbo francês ‘attendre’, que, significando 'esperar', expressa uma atitude política. Trata-se de um ‘expectacionismo’: essa microfigura fica na expectativa que as coisas mudem por si sós”, explicou.

O terceiro postulado kantiano – que afirma a existência de Deus – é o campo das três últimas microfiguras: o “sagracionismo secular”, o “sincretismo inefetivo” e a “hipocrisia externada”.

A primeira máscara corresponde a uma teologia vulgar tendendo ao conformismo: ‘o curso do mundo é esse, Deus fez assim’. O sincrético inefetivo é aquele que tenta recompor uma realidade moral que há muito foi estilhaçada. A última microfigura coroa todo esse desenvolvimento, refazendo todos os deslocamentos da moral por cada uma dessas máscaras. Vale lembrar que a própria palavra ‘hipócrita’ significa ‘ator’ e ‘mascarado’ em grego”, disse.

Nasce o novo cínico

Mas essa última microfigura, segundo Sílvrio Rosa, não é um hipócrita qualquer. O atributo que o acompanha é a exteriorização dessa hipocrisia.

Trata-se, desta vez, de um hipócrita curioso, que não dissimula sua hipocrisia. Aqui, estamos no ninho de nascimento do cinismo. Vamos entender cinismo como aquilo que exerce, por assim dizer, um tipo de sinceridade indesejada na simulação. Em um primeiro momento, esse cinismo ainda repassa por todas essas máscaras: é o cinismo nascente, ou ingênuo. Depois, o cínico chega à sua maioridade e seu discurso transforma-se em uma espécie de estilo que transfigura suas contradições”, disse.

Sílvio Rosa destaca que a definição de cinismo para os monges medievais é a pessoa que diz a verdade para causar danos aos outros. “Essa é uma noção até certo ponto vulgar sobre o cinismo. Mas é próxima da visão de Hegel sobre o que ocorreu quando se completava a transição para os tempos modernos. O resultado é um mundo amoral”, apontou.

O autor conta ter estudado como Hegel se viu às voltas com essas nove microfiguras abstratas. Mas, de certa forma, não há lugar para elas no sistema hegeliano, que defende uma vida não moralista, mas ética. "Por outro lado, elas se prestam a aprimorar o uso do discurso em níveis distintos de elaboração: primeiro sob o modo da mimesis; em seguida, sob o do amaneiramento; por fim, sob o do estilo."

A partir de 1817, Hegel começa a integrar essas personagens à filosofia do direito e elas se dissolvem no interior de seu sistema. Hegel absorve, assimila, dissolve e, de certa maneira, abandona essas microfiguras. Procurei estudar esse momento em que ele não tinha ainda a certeza de integrá-las ao seu sistema. Por outro lado, o livro toma distâncias da imagem habitual de Hegel – como autor de uma filosofia da liberdade e do progresso na história – para enxergar no filósofo uma testemunha histórica e conceitual de sua época”, disse Sílvio Rosa.

  • Título: Eclipse da moral – Kant, Hegel e o nascimento do cinismo contemporâneo
    Autor: Sílvio Rosa Filho
    Lançamento: 2010
    Preço: R$ 46
    Páginas: 682
    Mais informações: www.editorabarcarolla.com.br/releases/1201

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