sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Mario Vargas Llosa ganha Nobel de Literatura

 

Agência FAPESP

Mario Vargas Llosa ganha Nobel de Literatura

Escritor peruano, autor de obras como Tia Júlia e o Escrivinhador e A Guerra do Fim do Mundo, sobre Canudos, é o quarto sul-americano a receber o prêmio (Un.Princeton)

O escritor peruano Mario Vargas Llosa, 74 anos, é o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 2010. O anúncio foi feito nesta quinta-feira (7/10) pela Svenska Akademien, em Estocolmo.

Segundo a academia sueca, a distinção ao escritor se deve por “sua cartografia das estruturas de poder e por suas imagens agudas sobre a resistência, a revolta e a derrota individual”. O último escritor latino-americano a ganhar o Nobel foi o colombiano Gabriel García Márquez, em 1982.

Llosa recebeu a notícia do Nobel nos Estados Unidos, onde este semestre está como professor visitante no Programa de Estudos Latino-Americanos da Universidade Princeton. Segundo o presidente do júri do Nobel de Literatura, Peter Englund, Llosa disse estar “muito comovido e entusiasmado” pela premiação.

O escritor receberá o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 2,5 milhões), em cerimônia em Estocolmo no dia 10 de dezembro, aniversário da morte de Alfred Bernhard Nobel (1833-1896), o inventor da dinamite. Em 1994, o escritor recebeu o Prêmio Cervantes, maior distinção literária em língua espanhola.

Llosa é autor de dezenas de romances, ensaios e peças. Entre seus livros mais conhecidos estão Pantaleão e as Visitadoras (1973), Tia Júlia e o Escrevinhador (1977), Conversa na catedral (1969), O falador (1987) e Lituma nos Andes (1993).

A premiação de Vargas Llosa é uma grande felicidade para a literatura latino-americana. Ele é responsável pelo grande boom narrativo dos anos 1960, com destaque para Batismo de Fogo (1962), considerado seu romance de estreia, e Casa Verde (1966). Depois disso, provou ter um grande fôlego literário”, disse Jorge Schwartz, professor de Literatura Hispano-Americana do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, à Agência FAPESP.

“É uma honraria muito merecida. Durante muitos anos esperamos que ele ganhasse o Nobel, por ser um dos maiores e mais respeitados romancistas na América Latina”, disse Rubén Gallo, diretor do Programa de Estudos Latino-Americanos em Princeton.

Em A Guerra do Fim do Mundo (1981), o escritor peruano narrou a Guerra de Canudos (1896-1897), mesclando personagens reais e fictícios. Antônio Conselheiro, líder do levante, é descrito com base em elementos retirados de Os Sertões, de Euclides da Cunha.

A Guerra do Fim do Mundo é uma obra que dialoga com Os Sertões”, disse Schwartz. Llosa passou vários meses no sertão de Canudos, onde escreveu os primeiros rascunhos do romance.

Além de Llosa e Márquez, outros dois sul-americanos ganharam o Nobel de Literatura: os poetas chilenos Gabriela Mistral (1889-1957), em 1945, e Pablo Neruda (1904-1973), em 1971.

Boa literatura não é apenas entretenimento – é um entretenimento fantástico –, mas é também algo que lhe dá uma melhor compreensão do mundo em que você vive”, disse Llosa.

Peixe na água

Jorge Mario Pedro Vargas Llosa nasceu em 28 de março de 1936 em Arequipa, em uma família de classe média. Seus pais se separaram cinco meses após o casamento e o futuro escritor passou parte da infância na Bolívia, com os avós.

Em 1946, de volta ao Peru, conheceu o pai. Aos 14 anos, ingressou no Colégio Militar Leôncio Prado, onde permaneceu por dois anos, experiência que foi o tema do seu primeiro livro, Batismo de Fogo – que no Brasil seria publicado também como A cidade e os cachorros.

Em 1963, ingressou na tradicional Universidad Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, onde estudou Letras e Direito. Aos 19 anos, casou-se com Julia Urquidi, cunhada de sua mãe. Na época, teve vários empregos, de redator a revisor de nomes em túmulos de cemitérios.

Em 1959, recebeu uma bolsa de estudos e foi para a Espanha, onde obteve o doutorado em Filosofia e Letras, na Universidade Complutense de Madri. Em seguida, mudou-se para a França, onde viveu por alguns anos. Em 1964, de volta ao Peru, divorciou-se e, no ano seguinte, casou com a prima Patrícia Llosa, com quem tem três filhos.

Em 1967, trabalhou como tradutor para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), na Grécia, junto com o escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984). Nos anos seguintes morou com a família em Paris, Londres e Barcelona.

Em 1983, a pedido do então presidente peruano Fernando Belaúnde Terry, presidiu a comissão que investigou a morte de oito jornalistas. Em 1990, concorreu à presidência do Peru com a Frente Democrata, partido de centro-direita, mas perdeu a eleição para Alberto Fujimori.

Suas experiências como escritor e político estão expostas na autobiografia Peixe na Água (1991).

Llosa é membro da Academia Peruana de Línguas desde 1977 e da Real Academia Española desde 1994. Tem vários doutorados honoris causa por universidades como Yale (1994), Universidade de Israel (1998), Harvard (1999), Universidade de Lima (2001), Oxford (2003), Universidade Europeia de Madrid (2005) e Sorbonne (2005). Foi condecorado pelo governo francês com a Medalha de Honra en 1985.

Foi professor visitante ou escritor residente no Queen Mary College, no King’s College e nas Universidade de Londres, Cambridge e Oxford, no Reino Unido, na Universidade de Colúmbia, no Centro Woodrow Wilson e nas universidades Harvard, de Georgetown e da Flórida, nos Estados Unidos, entre outras instituições de ensino superior.

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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Canções das ruas

 Agência FAPESP

Canções das ruas

Livro discute como a canção, como forma de expressão artística, pode contribuir para a cultura educacional (foto: tomze.com.br)

Por Fábio de Castro

A canção ocupa um lugar social e histórico ímpar na cultura brasileira. Discutir como essa forma tão especial de expressão artística pode contribuir para repensar o conceito de cultura da educação é o objetivo do livro Cidade Cantada – Educação e experiência estética, de Julia Pinheiro Andrade.

Para abordar o sentido formativo que a experiência estética pode assumir no campo da educação, a autora discute a forma da canção brasileira a partir de dois exemplos distintos e radicais: o tropicalismo do compositor Tom Zé e o rap do grupo Racionais MC’s.

A obra, lançada em agosto, tem base na dissertação de mestrado de Julia, defendida em 2007 na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), com Bolsa da FAPESP.

Graduada em Geografia na USP, em 2001, a autora atuou em pesquisas em geografia urbana na cidade de São Paulo. Atualmente, é coordenadora pedagógica do Programa Mapa de Educação e Meio Ambiente e assessora da Escola Castanheiras.

Como educadora no ensino fundamental, percebeu que os alunos tinham dificuldades para se identificar e compreender conceitos e processos que explicam a lógica das transformações do espaço urbano, pois mobilizam representações abstratas da cidade.

Utilizando a música em sala de aula, observei que a abordagem estética fornecia um excelente acesso para diversos temas, pois a canção mobiliza o corpo, as emoções e cognição a um só tempo. Quando a escutamos enquanto forma narrativa, podemos elaborar toda uma experiência sobre a relação entre os sujeitos (o cantor e o ouvinte) e as cidades (a cantada e a vivida). Quando passei a trabalhar com a formação de professores, essa possibilidade ficou ainda mais clara”, disse à Agência FAPESP.

Julia passou então a considerar a possibilidade de abordar a correspondência entre a canção como forma estética, a experiência urbana e as transformações do espaço da cidade.

Inicialmente, seu projeto de mestrado partiria da década de 1950, com o samba do compositor paulista Adoniran Barbosa. “Passaria então pelas ‘descanções’ de Tom Zé – um tropicalismo diferente, que viu as metamorfoses da cidade nas décadas de 1960 e 1970 –, chegando finalmente à música dos Racionais MC’s, que cantaram a cidade implodida por um violento crescimento periférico”, disse.

O estudo acabou se concentrando em Tom Zé e Racionais MC’s, dois momentos contrastantes da cidade e da forma da canção. “Adoniran Barbosa permaneceu como contraponto iluminador, aparecendo como o fio da meada da geografia e da história da canção em São Paulo”, explicou.

No primeiro capítulo, A cidade cantada, a autora apresenta a importância da canção no Brasil. “A canção ocupa na nossa sociedade um lugar social e histórico ímpar, mais presente do que a cultura letrada”, disse.

Para situar o “objeto não identificado da canção popular”, Julia se baseou em autores como José Miguel Wisnik, Luís Tatit, Marcos Napolitano e Celso Favaretto – esse último professor no Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da Faculdade de Educação da USP e orientador do estudo.

Delineada a força da canção, a autora define então a importância da cidade cantada. “Uma forma estética capaz de decantar e comunicar a experiência complexa e ambivalente do mundo urbano de hoje. Penso essa possibilidade em São Paulo, cidade ícone do desenvolvimento e da crise nacional”, disse.

O segundo capítulo é um ensaio teórico sobre a importância de trabalhar as diferentes linguagens da cultura em educação. “Procurei refletir sobre como podemos pensar em um projeto de formação cultural a partir de nosso espaço mais cotidiano, a cidade, e, nesse contexto, qual o papel que um trabalho sistemático de escuta de canção pode desempenhar na educação”, explicou.

Dentro desse conceito, Julia discute o valor de trabalhar a arte no contexto escolar, considerando-a uma experiência ampla que engloba simultaneamente sentimentos, razão, emoções e sentidos. A autora procura distinguir o que é a experiência estética e crítica.

A partir da obra do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940), Julia estuda a cultura e a educação dentro de uma modernidade muito crítica, que é a do nosso tempo, entre o moderno e contemporâneo”, disse Favaretto.

O terceiro capítulo discute como fazer o trabalho com a canção. Para isso, é preciso definir o que é a forma canção, como ela se estrutura, como é lida e escutada. “Trata-se de uma forma híbrida entre literatura e música. Procuro trabalhá-la em suas duas dimensões e, a fim de explicitá-las, analiso diversas canções”, afirmou.

Pensadores como Theodor Adorno (1903-1969) e Jean Baudrillard dão o fundamento para a discussão sobre as possibilidades de se pensar a canção como experiência estética, sendo que ela é, ao mesmo tempo, arte e mercadoria, isto é, necessariamente voltada para um determinado consumo.

Sustento que, no Brasil, a canção é um objeto cultural muito forte pelo fato de unir a experiência cotidiana com uma cultura enciclopédica e, ao mesmo tempo, circular entre as várias classes sociais, fazendo uma ponte entre cultura letrada e cultura oral. Destaco a dialética entre a forma mercadoria e a forma narrativa, que é uma forma estética capaz de compartilhar e decantar experiências”, disse.

Conversações diversas

No quarto capítulo, Julia discute como a canção se manifesta na obra de Tom Zé. Contextualiza sua formação, diferencial em relação ao projeto tropicalista e apresenta a cidade cantada por ele – ou sua “descanção”, como o próprio autor define.

Analiso como se desdobrou o seu projeto estético ao longo do tempo e como a imagem da cidade volta em suas diversas fases, avaliando as mudanças de instrumentação, estilo, ritmo, letras e maneira de cantar ao longo do tempo, evidenciando as transformações e os processos da cidade”, disse.

Como trabalha desconstruindo a canção, Tom Zé é especialmente feliz na decantação das metamorfoses da cidade em metrópole, pois incorpora à melodia ruídos, dissonâncias, levadas harmônicas e rítmicas estranhas, como os ostinatos. Sua canção decanta as ambivalências da crise urbana contemporânea.”

Julia analisa depois as mudanças das manifestações musicais brasileiras em direção ao gênero eletrônico, até chegar ao rap ("ritmo e poesia", na sigla em inglês) que, segundo ela, é uma “forma diminuída, mínima, da canção”.

O rap é coerente com uma experiência da mudança radical da cidade a partir da década de 1990. Faço uma gênese desse gênero nos Estados Unidos e no Brasil e destaco a relação entre os dois países para explicitar o que é o rap e por que podemos considerá-la como uma forma de canção – quando a melodia se reduz à entoação da fala e o ritmo e discurso emergem em primeiro plano”, afirmou.

Com uma ‘dicção de navalha’ cantada e decantada por um narrador em primeira pessoa, o Racionais MC's conseguiu narrar muito bem a experiência urbana das periferias. O grupo destaca até mesmo a experiência da morte, colocando-a para falar por meio de discurso de bandido baleado, da encenação de tiroteio, do pensamento em flashback e do som ritmado de um eletrocardiograma. Mais do que a descrição factual da periferia, conseguiram narrar experiências fortes e trazer essa parte antes silenciada da cidade para dentro da música”, disse.

A autora utiliza a teoria do filósofo húngaro Georg Lukács (1885-1971) de forma narrativa para discutir como ela é capaz de narrar ou descrever uma experiência. “Faço essa discussão para ver como um grupo de rap consegue criar uma narrativa”, contou.

O último capítulo do livro é, segundo Julia, uma síntese sobre a experiência estética e sua possibilidade de uso com formação de um sujeito – exatamente porque põe em correspondência um sujeito que narra e um outro que ouve, possibilitando que se saia da simples situação de vivências individuais.

A cultura do nosso tempo é diluída, fragmentada, mas múltipla: a canção pode trazer para a sala de aula diferentes escutas e conversações. Por menos que um professor goste de rap, se ele se propuser a escutar de forma crítica, contextualizando estética e historicamente a canção, poderá chegar a compartilhar experiências com seus alunos”, apontou.

O livro não propõe estratégias diretas de aplicação da canção em sala de aula, mas dá indicações de como perceber, como criar uma escuta profunda da canção para compreender a experiência do tempo e do espaço contemporâneos”, disse.

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