quinta-feira, 5 de julho de 2012

Envio de japoneses para o Brasil fez parte de política expansionista pacífica

Avaliação é do historiador Shozo Motoyama, da USP, em livro sobre a primeira fase da imigração japonesa no Brasil em que aborda o processo de integração cultural (imigracaojaponesa.com.br)

 

Por Elton Alisson

Agência FAPESP – A imigração de japoneses para o Brasil a partir de 1908 representou uma saída pacífica para o Japão continuar a se desenvolver por outra via que não a militarista, pela qual se tornou na época uma potência mundial.

Por outro lado, a vinda dos japoneses para o Brasil sob os auspícios dos barões do café, para trabalhar em cafezais durante a República Velha (1889-1930), dividiu opiniões e despertou um intenso debate entre grupos favoráveis e outros contrários a essa imigração na sociedade brasileira.

A integração não tão cordial entre as duas culturas, por meio da imigração, é contada no livro Sob o signo do sol levante: Uma história da imigração japonesa no Brasil – volume I (1908-1941), de autoria do historiador Shozo Motoyama, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e presidente do Centro de Estudos Nipo-Brasileiros.

Lançado no final de abril, o livro descreve como a primeira fase da imigração para o Brasil – iniciada em 1908 e encerrada em 1941, quando o Japão ingressa na 2ª Guerra Mundial – fez parte de uma política expansionista pacifista orquestrada pelo governo japonês.

Uma das maiores potências mundiais na época – com grandes conglomerados empresariais como Mitsubishi, Mitsui e Sumitomo –, o Japão vivia ao mesmo tempo graves problemas econômicos, com desemprego elevado e condições de pobreza no campo.

Em função disso, o país enfrentava críticas de segmentos da sociedade que não concordavam com a forma com que vinha se desenvolvendo, conquistando países à força, como fez no período conhecido como imperialista, em que invadiu a Coreia, a Manchúria e parte da China.

Uma das alternativas identificadas para continuar a crescer pacificamente era por meio da imigração, vista como uma forma em que ambos os lados ganhavam – tanto o país que enviava como o que recebia os imigrantes – e diferente da conquista militar, em que só o país invasor se beneficia.

Por essas e outras razões, o governo japonês decidiu encampar políticas de imigração de seus cidadãos para países como o Brasil – que precisava de mão de obra para as lavouras de café em São Paulo –, dando o apoio necessário para que se estabelecessem no exterior.

Houve no Japão uma política bastante coerente e de consenso de dar guarida para os imigrantes que vinham para o Brasil. E, em grande parte, o sucesso dos imigrantes japoneses no Brasil dependeu da ajuda dada pelo governo japonês por meio de consulados e de outras representações políticas e diplomáticas no país”, disse Motoyama à Agência FAPESP.

De acordo com o pesquisador, se por um lado a ida de imigrantes atendia aos interesses do governo japonês e dos barões do café do Brasil, por outro lado o processo de integração dos japoneses na sociedade brasileira não foi tão natural como tende a fazer crer a historiografia escrita e publicada sobre o tema.

Os documentos a que Motoyama teve acesso do Congresso Nacional referentes a 1934, por exemplo, quando estava sendo elaborada a terceira Constituição Brasileira, revelam que houve um intenso debate entre um bloco de congressistas favoráveis e outros contrários à imigração japonesa, em função da ascensão social que os japoneses estavam obtendo no país.

Até o fim da década de 1920, o grupo mais favorável aos imigrantes japoneses era maioria no Brasil. Mas na década seguinte isso mudou, principalmente devido à Constituição de 1934, que colocou uma série de leis restritivas em relação à vinda de imigrantes japoneses”, disse Motoyama.

Já durante o Estado Novo (1937-1945), Getúlio Vargas (1882-1954) agiu de maneira dúbia: de um lado estimulou as restrições à imigração japonesa e, de outro, tomou medidas para trazer os japoneses para o Brasil”, disse.

Para defender suas posições, os grupos contrários à imigração japonesa se apoiavam em teorias raciais vigentes na época, como a do “darwinismo social”.

Compactuada por alguns representantes da elite brasileira na época, a teoria, que ficou conhecida como a do “branqueamento”, preceituava que o subdesenvolvimento do Brasil se devia ao fato de o país ter sido povoado por "raças inferiores" (negros e índios), e que o país só iria se desenvolver à medida que sua população se tornasse "mais branca".

Como o ciclo de imigração dos negros para o Brasil já havia se encerrado, o alvo passou a ser os amarelos, representados agora pelos japoneses, que começavam a chegar ao país.

Em defesa dos japoneses, os fazendeiros paulistas aceitam uma tese absurda alardeada por um fazendeiro congressista brasileiro, de que eles eram mais brancos, por exemplo, do que os portugueses, que já haviam passado por um intenso processo de miscigenação no país.

Os fazendeiros paulistas eram bastante pragmáticos. Como precisavam de trabalhadores, eles não queriam saber de que raça eram, contanto que fossem bons trabalhadores”, disse Motoyama.

Segunda fase da imigração

Motoyama planeja publicar no início de 2013 um novo volume do livro, que abordará a segunda fase da imigração japonesa no Brasil, de 1941 a 2008.

Diferentemente da primeira fase da imigração, de 1908 a 1941, em que os japoneses puderam contar com ajuda do próprio governo para se estabelecer no Brasil, na nova etapa eles não puderam recorrer aos seus compatriotas devido ao país asiático ter sido arrasado pela Segunda Guerra Mundial.

Além disso, se antes os japoneses e os imigrantes em geral desfrutavam da boa acolhida e de uma certa simpatia na sociedade brasileira, com o início da guerra eles passam a ser vistos como inimigos.

A guerra aflorou uma série de questões, não só de preconceito, e os japoneses passaram a ser tratados como inimigo, o que, de certa forma, é natural. Nos Estados Unidos, o preconceito contra os japoneses na época foi muito pior”, disse Motoyama.

Segundo o pesquisador, a elaboração do livro sobre esta segunda fase da imigração japonesa deverá ser muito mais complexa. Isso porque há uma série de registros sistematizados sobre a primeira fase da imigração japonesa.

Já na segunda fase, como os imigrantes foram perdendo proeminência, começam a surgir mais estudos sobre seus descendentes – mais propriamente sobre os nisseis (a primeira geração de filhos de japoneses nascida em outro país) – e a historiografia do período tem muitas lacunas.

Na segunda fase da imigração japonesa para o Brasil, pós Segunda Guerra, chegam cerca de 50 mil pessoas, com cultura completamente diferente da que havia no país oriental antes da Guerra. Em função disso, há um choque cultural entre os velhos imigrantes com os recém-chegados e com os nisseis.

Esses acontecimentos não estão bem retratados e acho que nem estão escritos direito. Teremos que entrevistar pessoas e procurar esclarecer uma série de fenômenos que só ocorreram nesta segunda fase da imigração”, disse Motoyama.

No segundo volume do livro, o pesquisador também pretende abordar a contribuição dos imigrantes japoneses, principalmente os de seus descendentes, os nikkeis, na ciência, tecnologia e educação brasileiras.

  • Sob o signo do sol levante: Uma história da imigração japonesa no Brasil – Volume I (1098-1941)
    Autor: Shozo Motoyama
    Páginas: 390
    Lançamento: 2012
    Mais informações: secretaria@institutobrasiljapao.org.br ou (11) 3209-3875.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Para entender Drummond

 

Para compreender a obra de Carlos Drummond de Andrade, conversamos com Marcos Siscar, poeta e professor de teoria literária, que ajuda a encontrar os caminhos na obra do mineiro

Texto Bruno Teixeira

Educar

Foto: Amiucci Galo

 drummond

"Sua obra estava envolvida nas discussões mais polêmicas da vida literária", afirma o professor e poeta Marcos Siscar

 

Em 1924, o mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) reuniu alguns poemas e organizou o 25 Poemas da Triste Alegria, seu primeiro livro, feito por ele mesmo artesanalmente. "Ah, que os tapetes não guardem/ a sombra inútil dos meus passos.../ Eu quero ser, apenas, um homem que sorriu e que passou, erguendo a sua taça, com desdém", escreveu o poeta em A sombra do homem que sorriu. Se o poeta queria que sua sombra não fosse guardada por nós, felizmente não foi o que aconteceu. Drummond saiu de Itabira, em Minas Gerais, para conquistar os brasileiros e ser eterno. "Vai, Carlos! ser gauche na vida", diz o poeta no Poema de sete faces, do livro Alguma Poesia (1930), o primeiro publicado pelo poeta.
Durante seus 84 anos de vida, Drummond passou por duas ditaduras - a de Getúlio Vargas (1937-1945) e dos Militares (1964-1985) -, foi funcionário público por 35 anos, teve ligações com ideais comunistas e um profundo contato com jornais, como redator e cronista. A vida do poeta deixou marcas em sua obra. "O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, / a vida presente", diz ele no poema Mãos Dadas, do livro Sentimento do Mundo (1940). Era um inconformado com os problemas sociais, não entendia as guerras, estranhava, mas se confortava, com a solidão. Drummond, que publicou mais de 50 livros, entre poemas, crônicas e contos, escreveu sobre o amor, a morte, o cotidiano, a infância, a família, a vida. Enfim, Drummond merece ser lido por trazer alma às palavras.
Conversamos com o poeta Marcos Siscar, um dos grandes nomes da poesia contemporânea brasileira, para entender mais sobre a aura da poesia de Drummond. Siscar, que tem sete livros publicados, também é professor de Teoria Literária na Unicamp. "O que gosto em Drummond é a capacidade que ele tem de ir a fundo em cada coisa miúda, radicalizando as consequências dos pequenos gestos", diz. Leia a seguir, a entrevista.

1. Drummond é o poeta brasileiro mais importante?

Não gosto muito de pensar as coisas em termos de competição: o maior poeta, o poeta menor. Mas é interessante lembrar que, há algumas décadas, Drummond era tido apenas como um dos grandes nomes da poesia brasileira, um entre outros. Sua obra estava envolvida nas discussões mais polêmicas da vida literária. Não havia unanimidade em torno do assunto. Hoje, por diversas razões - que têm mais a ver com a nossa época do que com Drummond - percebe-se uma tendência a transformá-lo em referência central da poesia brasileira do século XX, assim como se faz com Pessoa, em Portugal. Por um lado, é natural que artistas do passado passem a representar os nossos sonhos e passem a ser referências exemplares do que entendemos como poesia (isso também tem acontecido com João Cabral de Melo Neto, com Manuel Bandeira, com Murilo Mendes) - não é algo que valha a pena simplesmente demolir, em nome do espírito crítico. Por outro lado, nenhum reconhecimento público (nenhuma "canonização", como se diz na crítica literária) deveria basear-se na anulação das contradições do artista, em sua santificação, por assim dizer. Ao contrário, são justamente essas contradições que nos dão a medida de nossas próprias dificuldades com o tempo presente e que fazem com que a poesia seja uma experiência estimulante e conflituosa.

 
2. Pode-se dizer que a poesia de Drummond é universal?
 
Se universal quer dizer que ela pode ser lida fora do Brasil, certamente a poesia de Drummond é universal, embora carregue um forte sotaque brasileiro (assim como, digamos, Valéry tem sotaque francês; e o americano T. S. Eliot, sotaque inglês). Agora, se entender universal como uma forma de dizer as coisas que nos coloca na proximidade com aquilo que acreditamos que somos e desarticula, ao mesmo tempo, esse espaço de identidade, então, a questão mais imediata, a meu ver, seria esta: por que acreditamos que essa obra nos representa, e de que maneira ela nos coloca em relação com outros povos e culturas? O que mais me interessa nem é tanto a universalidade de uma obra, mas a disposição que ela manifesta de fazer a "experiência do estrangeiro", segundo uma expressão do poeta alemão Hölderlin. Seria estimulante reler Drummond, repensando a situação por este prisma.
 
3. O que representa o poema No Meio do Caminho?
 
Tradicionalmente, o poema (publicado inicialmente em 1928, na revista Antropofagia) é visto como uma provocação dirigida às concepções mais tradicionais da linguagem e da poesia. Até por isso, tornou-se um ícone da demolição vanguardista. Quando li o poema pela primeira vez, no ensino médio, no início dos anos 80, o modernismo já havia se tornado a narrativa recorrente da história literária no Brasil. "No meio do caminho" já não era uma afronta à convenção poética, mas o registro uma espécie de heroísmo inaugural, definitivamente incorporado à nossa maneira de ver a poesia do século XX. A repetição [No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ tinha uma pedra/ no meio do caminho tinha uma pedra], ligada inicialmente a um efeito de destruição, não deixou de transformar em monumento poético. Por isso, ao se tornar parte das coisas supostamente superadas, esse lado iconoclasta do poema poderia acabar soando ingênuo aos nossos ouvidos, não fosse o que continua havendo nele de inquietante, como a experiência do cansaço e da memória. Em termos mais gerais, é possível dizer que o poema tornou-se uma espécie de relíquia para a poesia brasileira, com todo o aparato religioso daquilo que nos "religa" a nós mesmos, isto é, à nossa ideia de tradição poética. Penso que nossa relação com poemas desse tipo não deve ser nem alérgica nem devota. Seria mais relevante nos perguntarmos por que razão um poema do bloqueio se transforma, de uma geração a outra, em uma espécie de bloqueio para nossa experiência poética do contemporâneo.
 
4. Drummond se recusou a entrar na Academia Brasileira de Letras e a receber prêmios. E foi funcionário público por quase toda a vida. Como isso aparece em sua obra?
 
Aceitar um prêmio e ser funcionário público não são coisas da mesma ordem. Ser funcionário público não é um prêmio, salvo em circunstâncias específicas; pode ser uma conquista, eventualmente; mas, em qualquer caso, continua sendo um trabalho. O modo como Drummond chegou ao serviço público e a maneira pela qual o exerceu é outra história, claro, e mereceria atenção. Há contradições fortes aí. Mas isso também está ligado à esfera mais ampla da trajetória e da experiência de Drummond, que teve que carregar a contradição de ser filho de fazendeiro e comunista: sofreu com essa contradição, mas aceitou as vantagens dela, igualmente. A obra de Drummond é farta em consequências. Basta ler os Boitempo [nome que Drummond deu a três livros], que são livros memorialísticos para se ter uma noção do que isso representa para o poeta.
 
5. Quais são as características mais influentes da obra drummondiana?
 
O que gosto em Drummond é a capacidade que ele tem de ir a fundo em cada coisa miúda, radicalizando as consequências dos pequenos gestos. Além disso, tenho muita simpatia pela "irritação" com que vai, paralelamente, colocando em xeque tudo aquilo que assume ares de porto seguro da boa consciência poética e política. Até por isso, o livro Claro Enigma (1951) continua a me mobilizar especialmente, tanto pelos textos densos e desiguais como pelo incômodo que causou na recepção crítica da obra do poeta.

 

Para (re)lembrar aqui vai meu preferido (hos):

JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro, sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.

José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?

Super Grana